quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CASA POBRE EM VILA RICA


CASA POBRE EM VILA RICA

Neste belo dia 2 de dezembro se comemorou o DIA NACIONAL DO SAMBA e isso me fez lembrar de minhas "raízes" enquanto compositor, meu inicio na seara da Música. Criado no interior do Paraná (e de SC) apenas com a legítima música caipira, de violas e acordeons, saltei de uma hora para outra para o mais puro ou cru dos movimentos negros, o "samba de terreiro" -- adiante, com o título de "samba de quadra", embora a festa se desse ainda em solo de terra batida -- no velho Morro dos Cabritos, acima do Túnel Velho, em Copacabana, Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa naqueles anos 70 de Copa do Mundo e Ditadura Militar, festa e repressão andando lado a lado.

Morávamos num barraco bem ao lado da quadra do Bloco Carnavalesco Unidos da Vila Rica, na época O ÚNICO BLOCO -- me corrijam se eu estiver errado! - existente na Zona Sul, ou pelo menos em parte dela. Por volta de 1980 ou 81, pouco antes de eu sair definitivamente do Rio, o Vila Rica subiria para outro Grupo, do qual desceu no ano seguinte.

Aprendi a gostar de samba colado à parede do quarto-sala do barraco, a menos de 2 metros da bateria do Bloco, num local onde tinha imensa pedra negra, granito que presenciou festas e também muita patifaria, já que a malandragem se reunia toda madrugada "bem debaixo de nossa casa", que ficava trepada numa pedreira.

Infelizmente, nunca me senti parte do Morro e nem daquela vida de sacrifícios e privações, não me relacionava com praticamente ninguém -- embora nascido lá e tendo vivido naquele martírio por quase 15 anos -- e, como era tímido, nunca frequentei a quadra de samba, exceto uma noite qualquer, na escolha da melhor sambista do Bloco. Mas não perdia um segundo dos ensaios, "grudado na parede" do barraco e vendo tudo pelos buracos dos pregos outrora existentes. (OBS.: inicialmente, naquele local havia apenas um barracão que servia para as sessões de "macumba" de um jovem chamado de "Pai JORGINHO". Mais tarde, o sujeito foi alojado na encosta do morro e a área virou campo de futebol a semana inteira e quadra de samba aos sábados/domingos.)

O VILA RICA e seus magníficos compositores influenciaram minhas primeiras produções na área da Música e, adiante, me tornei fã de sambistas renomados -- Martinho da Vila, Paulinho da Viola e Clementina de Jesus, entre tantos outros e outras, Elza Soares principalmente -- sem esquecer os nomes e as composições dos principais sambistas (do Bloco) dos primeiros dias dos coloridos e roqueiros anos 70.

Entre os compositores mais importantes estavam Luis "Chimbirra" (não sei se era sobrenome ou apelido), o velho e respeitado "Jorge Ben e até o "tampinha" "Segunda-Feira" -- "sombra" do malandro mais temido da área, o 'Marocas" --que subia no palanquinho de metro e meio de largura para entoar exatos 6 versos:

"Numa alta madrugada
eu encontrei o meu amor...
o sereno estava caindo (pois é, pois é!)
e o sereno não me molhou.

E lá vinha o refrão simples e belo, repetido diversas vezes e levantando a multidão:

"É mais uma madrugada
que eu passei com meu amor!"

De "Jorge Ben", voz ímpar, sem igual na região, algo próximo do famoso Aniceto do Império, só me lembro do "Subindo a Ladeira", cujos primeiros versos estampei em meu texto sobre as agruras de se viver num Morro, o 'UM DIA EM LILLIPUT", postado no megasite cultural OVERMUNDO, que pode ser consultado pelo link:

www.overmundo.com.br/banco/um-dia-em-lilliput

Jamais mostrei meus "sambinhas" para quem quer que fosse e admirava o pai da Sandra -- minha bela vizinha, amiga de infância -- conhecido por "Pauzinho" que, com uma lata d'água sobre a perna, passava horas cantando seus sambas, acompanhado do amigo e vizinho, seu "Bené", batendo copo ou 2 colheres.

Infelizmente, recentemente a esperança me abandonou e cansado de sonhar em ver meus trabalhos sendo cantados (ou até gravados), toquei fogo em tudo. Viraram cinzas mais de 600 poemas (entre trovas, sonetos, cordel e poesia livre) e pelo menos umas CEM MÚSICAS, entre elas uns 30 sambas, boa parte em homenagem ao bloco Vila Rica, inclusive um samba-enredo sobre os vikings e a pedra da Gávea, cujo título era "A Cabeça do Imperador"!.

Sobrou na memória senil o que está abaixo, trechos de "sambas de terreiro", CURTINHOS como devem ser, já que ficam "na fila" para cantar até a alta madrugada uns 15 ou 20 compositores, nas grandes Escolas de Samba até mais do que isso. Aí vão:

Vamos cantar
para tod'as regiões
as mais lindas canções
que o povo quer ouvir
e nosso samba
que é todo harmonia,
alegria e fantasia,
vai o povo seduzir.

(refrão/BIS)
Vamos cantar,
ó moçada brasileira.
Vamos sambar,
juventude altaneira,
que o VILA RICA
vai tocar a noite inteira...
que o VILA RICA
vai sambar a noite inteira.
"NATO" AZEVEDO

********************************
(refrão/BIS)
Vem lua, eh, vai lua, ah...
nêgo no batuque
não para de batucar.

I
Nossa bateria
está botando "prá quebrar".
É samba, show e alegria,
o VILA não pode parar.
"NATO" AZEVEDO

(CONTINUA...
esqueci o resto da música)
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Surdo, cuíca e pandeiro
pela noite a batucar...
é o "samba de terreiro",
a chuva caindo devagar.
É o VILA RICA quem diz:
"nosso samba não pode parar"!
E eu me sinto feliz
em dele participar.

(refrão/BIS)
Samba, show e alegria
o VILA RICA tem...
mas ritmo e harmonia
é importante também !
"NATO" AZEVEDO

No texto citado acima, UM DIA EM LILLIPUT, comento como era dificil a subida do Morro, numa viela escura e cheia de mato e lixo, entre dois prédios próximos da entrada do Túnel Velho. Fechado esse "atalho', passaram-se vários anos até que uma alma bondosa cedesse a escadaria que dava acesso à seu casarão, "na boca do Túnel", facilitando (?!) a vida dos favelados, que escalavam uma perigosa escada de madeira, com uns 70 graus de inclinação, num permamente riso de acidentes, principalmente de milheres com enormes trouxas de roupa na cabeça. Torno a repetí-lo, porque no site/portal anterior o artigo saiu truncado por falta de espaço, essa questão de toques que nunca entendi direito.
"NATO" AZEVEDO (dezembro/2009)
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O MORRO NÃO TEM VEZ... (ADENDO)

Até o início dos anos 80 a subida do "morro da Euclides da Rocha" (era como o chamavam, devido a uma rua que o cortava de uma ponta a outra) se fazia por uma encosta íngreme, quase 70 graus de inclinação, vereda escura e cheia de mato e pedras. Ficava espremida entre 2 prédios, como mostra a minifoto p/b à direita. (Por volta de 1980 a "entrada" foi extinta, aumentando em quase 2 km a subida via Ladeira dos Tabajaras. Adiante, "kombis" amenizariam o trajeto.)
Os mais velhos aguardavam sentados por uma mão amiga que os "guindassem" para cima, principalmente em dias chuvosos, quando a pedreira negra ficava bastante lisa. Poucos fazem idéia do que é subir uma escadaria (ou ladeira) dos Morros após dez horas de labuta como doméstica, contínuo ou servente. É um "calvário" que envelhece as pessoas em pouco tempo e colabora para que o favelado esteja sempre anêmico, sentindo permanente fraqueza.

Felizmente (?!) só se sobe o morro uma vez por dia. Aos domingos eu subia até 3 vezes, a última por volta da meia-noite, na época em que o nosso Morro ainda não oferecia perigo.
O favelado tem um compromisso inconsciente com a pobreza. Se melhora de vida, amplia e reforma o barraco por dentro, põe geladeira e TV em casa, mas não modifica o aspecto externo da moradia. Se fica rico tem que sair da favela, ali só se aceitam iguais e êle, graças à sorte, passou a ser "burguês". (Os "bicheiros" são um caso à parte !)
A televisão é o suplício do favelado, embora poucos tenham noção disso. Pobre não quer sapato novo, roupa de griffe (isso é coisa de "boyzinho zona sul") e nem mesmo carros ou motos, que caracterizam a VIDA DE RICO que êle está impedido subconscientemente de adotar.

O favelado, se a maré virar, quer pão & circo, muita farra/comida/mulher... e torrar a "grana" o mais depressa possível, para voltar a ser igual, ficar ao nível dos demais. Vai daí, enquanto desnutrido subempregado, assistir pela TV propaganda de cheeseburguers/chesters/yogurtes/perús sadios, etc, é uma tortura sem igual. Desempregado inúmeras vezes -- e isso é o TERROR de todo favelado -- eu quase chorava ao assistir pela TV cenas de saladas e doces, enquanto mastigava pão com banana à guisa de almôço ou devorava 1 "bisnaga" inteira só com margarina e açúcar, se a situação piorava. Além de água com açúcar o dia todo, para enganar a fome.
Pensou que luz e moradia são de graça nos Morros e favelas? Enganou-se,caro leitor! Há sempre alguém, que chegou primeiro, a se fazer de donodo espaço, como também da energia elétrica. E ái de quem usar ferroelétrico ou mais de 2 lâmpadas por barraco. Era assim nos anos 70/80,suponho que pouco mudou !
Favelado, seja do morro ou da baixada, é um herói, que o Brasil deveria admirar, apesar da bandidagem canalha que se instalou nesses locais. E essa "melhora oportunista" (leia-se PAC e assemelhados) feita somente em 2 ou 3 Morros é politicagem safada e não um progresso necessário e por todos desejado e merecido.

"NATO" AZEVEDO (dezembro/2009)
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COMENTÁRIOS SOBRE AS FOTOS:
Fotos coloridas 1 e 2 (esquerda): aspecto do interior do barraco, com a biblioteca dividindo o "quarto/sala-cozinha", por muito tempo com chão de terra batida. Nas prateleiras só revistas de eletrônica e... decoração, acredite quem quiser. Também a famosa coleção MMEQ de contos policiais e várias obras do E. Rice Borroughs, autor de TARZAN, além de TEX Ranger e Monteiro Lobato. Não havia ratos por lá, nas favelas não sobra comida.

Foto P/B (acima/direita): a "entrada" do Morro, extinta por volta de 1979/80. Surgiriam em seguida as "kombis-lotação" para amenizar o trajeto de subida. No centro da foto, lá no fundo ficava o prédio que ruiu, à esquerda, mais o resto do jardim, que uma pista subterrânea para o Túnel Velho "engoliu".

Foto P/B (embaixo/dir.): o antigo "terreiro" do bloco Unidos da Vila Rica, depois "campo de futebol". Havia ali um centro de macumba do Pai Jorginho, famoso babalorixá local, que sumiu sem deixar rastro. Nossa casa ficava ao lado, à direita, na parte alta. Quando a bola descia ribanceira abaixo, ninguém queria ir buscá-la, 150 m de "buraco". Note-se a copa das árvores, batendo no chão do campo. Uma imensa pedra (que o barracão de bebidas "engoliu") servia de mesa para jogos de baralho e de "arquibancada", além de ponto de reunião da malandragem da época durante as madrugadas. Tempos bons...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

DESPEDIDA

DESPEDIDA

I
Despedida, despedida...
faz chorar meu coração.
Como é triste a partida
de um amigo ou de um irmão.
É hora da despedida...
dê-me um apêrto de mão!

II
Eu não troco os meus amigos
pelo ouro de Salomão.
Riqueza se vai um dia...
o amigo está sempre à mão,
nas horas de alegria,
nos dias de solidão.

"NATO" AZEVEDO
(OBS.: escrita em meados de 1978,
como homenagem póstuma ao meu amigo
"RUBINHO TABAJARAS"/Rubem C. Satyro)

domingo, 13 de setembro de 2009

UM DIA NA VIDA

UM DIA NA VIDA

I
Persegui mil sonhos
por caminhos medonhos,
com momentos risonhos
de riqueza e poder.
De cidade em cidade
gastei a mocidade.
Achei felicidade
quando encontrei você

I I (REFRÃO)
Um dia na vida
pra viver sem você
é qual dia sem sol,
é uma manhã sem luz
que só nos faz sofrer.
Um dia na vida
feito para esquecer
é quando não te vejo
e nem sinto desejo
de estar com você.

I I I
Um tempo na vida
que fico sem te ter
é hora perdida,
é tristeza doída,
é razão pra morrer.
Amor, mostre o caminho,
que quem anda sozinho
não merece viver.
Meu bem, estou contigo
enfrentando perigos
pra viver com você.

"NATO" AZEVEDO
(versão livre do reggae "One day at a time",
de Wilkin, Kristofferson, grav. Copacabana,
1982) Canta SISTER LOIS.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

SEM PERGUNTAS NEM RESPOSTAS

SEM PERGUNTAS NEM RESPOSTAS

I (refrão)
Já não tenho
mais perguntas
e sei que nem preciso duvidar.
Teu jeitinho só me assusta...
te quero bem longe do meu lar,
porque sei que não vou mais te amar.

I I
Nao vou mais
sofrer assim...
vou recomeçar do fim !
Eu agora
vou ter paz, enfim...
quero você bem longe de mim !

I I I
Pode mudar essa cantilena,
não adianta promessas, novenas.
Dou as costas pras tuas respostas,
que eu só quero mesmo
é te esquecer...
porque sei que isso não é viver !

"NATO" AZEVEDO(
OBS.: versão livre de "Questions
and Answers", de JOHNNY NASH)

NO MEIO DA NOITE...

NO MEIO DA NOITE...
I
No meio da noite
teu nome eu chamo.
No meio da noite
te desejo e te amo !

(refrão / BIS)
Sou louca...
sou louca...
sou louca por você!

I I
No meio da noite
construo um caminho...
com você a meu lado
não sigo sozinho.

(refrão / BIS)
Sou louco...
sou louco...
sou louco por você!

I I I
No meio da noite
eu sonho com filhos
vivendo a teu lado,
com honra e com brilho.

I V
Nom meio da noite
sou feliz assim:
com você e meus filhos
bem perto de mim.

"NATO" AZEVEDO
(OBS.: versão livre de "Oh, Yoko",
de JOHN LENNON)

LIÇÃO DE MESTRE

LIÇÃO DE MESTRE

I
Nunca dê seu golpe à toa
se vier a meia-lua.
Só quando o seu mestre entoa
o "São Bento" lá rua.

I I
Na batida do atabaque
vem o cara de compasso.
Iniciando o ataque
uma negativa eu faço.

I I I
Nunca desprezo a armada
dada por cara matreiro.
Entro de "encruzilhada",
ouvindo o som do pandeiro.

I V
Se vier "benção" ou "chapa"
ou cabeçada... prá mim,
eu finto que lhe dou tapa
e dou um "corta-capim".

V
Olha o "rabo-de-arraia"
ao som da "Santa Maria".
Antes que a noite caia
toca-se a "Cavalaria".

REFRÃO
Quem é de terra fica na areia,
quem é de guerra não negaceia.
Quem é do mar sei que não enjoa...
quem não finta dá um golpe à toa!

"NATO" AZEVEDO
(Rio, 15/julho 1975)

POEIRA NA LADEIRA

POEIRA NA LADEIRA

REFRÃO/BIS
Mas, Capoeira
na Bahia tem
em qualquer Ladeira
que tiver alguém.

I
É prá quem tem fé
em si, meu irmão,
prá jogar com pé
e também co'a mão.

I I
E gingar de pé....
sair pelo chão
é prá quem tem fé
no seu coração.

I I I
Bimba dá "olé"
e não ginga em vão.
Venha quem vier
vai ficar no chão.

I V
Se finta com pé
mas não leva a mão...
cuidado, mané:
é cabeçada, então!

"NATO" AZEVEDO
(Rio, 15/julho 1975).
LE-LEÔ...
(refrão tradicional/DP)

I
Lá em cima daquele Morro
tem "capoeira" a jogar.
São Aberrê e Bezouro...
um vai morrer ou matar.

I I
Lá em cima daquele Morro
está uma linda mocinha
e ela pede socorro,
porque vai ficar sózinha.

I I I
Lá em cima daquele Morro
jôgo não é brincadeira.
Luta branco e negro-fôrro
de navalha e peixeira.

I V
Lá em cima daquele Morro
prá ver não fica ninguém.
Malandro não perde o gorro
ou o chapéu-côco que tem.

V
Lá em cima daquele Morro
'té o Diabo diz "Amém" !
Foge gato e cachorro,
você corre... e eu também !

"NATO" AZEVEDO
(RJ, 15/nov. 1975)

MINUETO

MINUETO

Lá vem a Noite...
lá vem a noite chegando
e eu, aqui, vou cantando
uma bonita canção.
Lá vem a Noite...
lá vem a noite, ligeira.
Vou jogando Capoeira
e eu não me canso não.

Lá vem a Noite...

"NATO" AZEVEDO
(Rio, março/1980)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

VIVER FELIZ

VIVER FELIZ
I (refrão)
Belém, Belém...
a noite já vem !
Eu estou com você (yê-yê-yê)
e me sentindo tão bem !

I I
Lá no Bar do Parque
e no verde do Bosque
eu vou com alguém.
Vou ao Ver-o-Pêso,
ao Mangueirão, no domingo
e à Igreja também.

I I I
Cato manga em chuva fria
e pesco em montaria,
curtindo um igarapé.
De roupa nova em outubro,
prazeres mil eu descubro
no Círio de Nazaré.

I V
Viver, sonhar
e se alegrar
nesta terra boa.
Em Belém do Pará
a Vida é só amar...
enquanto o tempo já voa !

"NATO" AZEVEDO

(OBS.: trata-se de um rockzinho
estilo anos 60, parecido com a
música "Whisky a Go Go")

quarta-feira, 10 de junho de 2009

JARDIM DE TROVAS (ano 1999)

JARDIM DE TROVAS
Não preciso muito estudo
para um conselho à moçada:
não se meta em vale-tudo
se você não vale nada !

Velhas casa tão singelas
-- do Passado, monumento --
são as orquídeas mais belas
de uma selva de cimento.

Eis, na era da informática,
a conclusão que se tira:
é que a Verdade, na prática,
anda ao lado da mentira.

Se as dúvidas me consomem,
guardo certezas bem fundo:
pode haver vida sem o Homem,
mas sem Mulher não há Mundo.

Dos beijos, do abraço terno,
das juras e ramalhetes...
de nosso amor -- que era eterno --
só me sobraram bilhetes.

Levando a vida sozinha,
entre fantasmas e azias,
a velha senhora tinha
mania de ter manias.

Tempo é confuso dilema
que -- com surpresa imprevista --
passa veloz num cinema
e se arrasta no dentista.

Digo entre sério e risonho,
respondendo a seus apelos:
-- "A Vida é um belo sonho
com dois ou três pesadelos"!

Quantos retratos, memórias
guardadas nos camafeus
realtam mudas histórias
de amor, saudade e adeus.

A Vida sem fantasias
nessa loucura geral
que é o mundo de nossos dias
era hospício ou hospital.

No esporte, lazer ou lida,
em quase tudo, afinal,
há gente que faz da vida
um eterno carnaval.

Televisão (quem diria...)
que, em certos casos, atrasa,
põe mundos de fantasia
na sala de nossa casa.

De mil mainas estava
tão cansado que, a meu ver,
ultimamente êle andava
com mania de morrer.

Se do antigo amor eu guardo
em um bilhete o perfume,
êle me recorda o fardo
que foi teu atroz ciúme.

Ao te dar o ramalhete,
me olhando sem emoção
despedaçaste o bilhete
e também meu coração.

Ter ambição não é pecar
mas, para muitos na vida,
fortuna é se ter um lar,
mulher, filhos e comida.

Se a fortuna bate à porta,
o que pensamos primeiro
é o que geralmente importa:
que seja muito dinheiro !

Vai o barco multicor...
navega pleno de graça,
tocando qual beija-flor
as terras por onde passa.

Ouça meu conselho drástico,
teus caros filhos desarma:
quem, hoje, "fere" com plástico,
amanhã mata com arma.

No sertão bravio o pobre,
perdida toda confiança
e sem água, pão nem cobre,
se sustenta de esperança.

Era tão pouca a fazenda
e tantos para enganar
que o ladino poz à venda
terra, em lotes, sob o mar.

Se oculto a dor, o desgosto,
o que o Tempo desmascara
é a máscara que, no rosot,
se faz às vezes de cara.

Fiz das máscaras escudo
a esconder-me dos fracassos.
Esfôrço inútil, contudo...
êles me têm em seus braços !

Palhaço desempregado,
sem máscara vou seguindo
tendo o mundo todo, ao lado,
da minha desgraça rindo.

Na Vida, no dia-a-dia,
digo com sinceridade
que os momentos de alegria
são a tal felicidade.

Rico, famoso, invejado,
o insuportável sujeito
tinha o defeito danado
de se achar sem um defeito.

A verdadeira virtude
passa ao largo da vaidade
e é reflexo da atitude
de servir com humildade.

Hoje, que o peso da idade
é o fardo mor de meus dias,
vejo que a felicidade
é recordar alegrias.

Diante do rosto bonito
eu digo e meu bem não crê
que, maior que o infinito,
é o meu amor por você.

Mais um milênio se finda
com trechos do mundo em guerra;
quantos se precisa ainda
para termos paz na Terra?

Diz na Fruteira o mascate
ao velho que lhe pede ôvo:
-- "Pro vovô só abacate...
ou, então, nascer de novo"!

Caso a canoa soçobre,
ir água abaixo não temo:
logo que as forças recobre
sigo montado no remo !

Quando a saudade exaspera
e o horizonte triste fito,
cada minuto de espera
até parece infinito.

Eu penso triste, indeciso,
que o infinito lhe daria
se ela me desse um sorriso
ou, pelo menos, "Bom Dia"!

Pobre Eva, nua e pagã
num paraíso perfeito,
depois de comer maçã
em tudo via defeito.

Aquele velho arquiteto
tem um pequeno defeito:
constrói janelas no teto
e portas com... parapeito.

Ondas que viram marola
são os sonhos de criança
que acalentamos na escola,
enquanto a idade avança.

O idoso que você vê
trêmulo, só desencanto,
foi jovem como você,
construiu, sonhou, fez tanto...

Range a carroça à distância
e o boi, num passo indolente,
me traz lebranças da infância,
faz do Passado... presente !

Na correnteza da Vida
-- cheia de sustos e medos --
multidões vão de vencida,
poucos são como rochedos.

De Marte a Vênus obscura,
no futuro o que nos resta
será imensa procura
por uma simples floresta.

São certamente os anseios
que constroem nossas vidas,
mesmo quando os devaneios
tornam-se ilusões perdidas.

O Poeta que canta a vida
com a luz da inspiração,
em sua trova sentida
traz muito do coração.

Na Antiguidade, o Hipócrates
com franqueza já dizia:
-- "Medicina... desde Sócrates
não admite hipocrisia"!

Deitado em rede de renda
penso com leve sorriso
que esta bonita fazenda
é a porta do Paraíso.

Fazendas, nunca te esqueças,
estranha emoção vão dando:
parecem quebra-cabeças
sem peça alguma faltando !

Humilde, pobre, roceiro,
sem rumo, sem pão nem norte
o migrante brasileiro
é um deserdado da sorte.

No Carnaval o menino
diz à mãe o que êle quer:
-- "Brincos, batom, salto fino...
fantasia de mulher"!

Se o João ía a passeio,
de vergonha êle morria
pois tudo nele é tão feio
que parece fantasia.

Nada ao acaso acontece
mas penso, em sonhos imerso,
que uma fazenda parece
a criação do Universo.

Desbravando imensidões,
quantas rudes caravelas
deram vida a mil nações,
trazendo o futuro nelas.

Se alguém fala em furacão
treme todo o vira-lata;
sob a cama do patrão
vê-se em espeto de prata.

Era tão magra a netinha
que o vovô, bem contrafeito,
viu no quarto da pestinha
um "esqueleto" no leito.

Ah, caravelas... gaivotas
que velejam na amplidão
buscando terras remotas,
com a fé no coração.

Sou um principe risonho
ou plebeu sem alegria:
apaga-se a luz do sonho
quando surge a luz do dia!

O que o escritor produz
ilumina a Humanidade
mais que as usinas de luz
de gigantesca cidade.

Quanta ruína, avidez
se vê em toda floresta
quando imensa estupidez
nos homens se manifesta.

Eis que vêm as caravelas
com emoção, força e cores;
avançadas sentinelas
de povos descobridores.

Com justos entre a canalha
findou-se o Mundo, caramba...
Descansado da gentalha
lá vai Deus cantando um samba.

Velando noites em claro
tem nos olhos meigo brilho:
ternura é presente raro
que toda mãe dá ao filho.

Sinto-me peixe no aquário...
sem norte ou sul vou sofrendo,
cumprindo humilde o fadário
de me imaginar vivendo !

TROVAR é rezar em versos,
colorir tempos insanos
onde os seres, tão dispersos,
nem parecem mais humanos.

As recordações de infância
-- qual pirilampo andarilho --
têm forma, luz e fragrância,
dando à Vida novo brilho.

Geme a velha, sussurrando,
enquanto a cama sacode:
-- "Ai, querido, desde quando
você tem esse... "bigode"?!

Este homem que a tantos deu
ajuda, casa e comida,
aplausos só recebeu
ao se despedir da Vida.

-- "Quero um bigode daquele"...
diz o guri com voz rouca.
-- "Vovô me disse que o dele
deixa a mulherada louca"!

Mais que os aplausos, quimera
enchendo os olhos de mel,
vale a crítica sincera
de um só amigo fiel.

Há homens que, desde cedo,
vivem em grande alvoroço:
só põem um anel no dedo
com a corda no pescoço.

Cobiça não nos convém,
fujamos sempre da intriga:
o que não se tem por bem,
por certo não vem com briga.

Nem o príncipe mais nobre,
com séquito e regimento,
tem a riqueza do pobre
que produz o seu sustento.

Chegamos a 2.000 anos !
Eis que o Mundo se renova...
mesmo entre mil desenganos
nos sobra o prazer da Trova.

"NATO" AZEVEDO

sábado, 16 de maio de 2009

UM SÓ SENÃO...

UM SÓ SENÃO...

I
Já está surgindo a madrugada,
mas a vida em bares não é finda.
A moça morena não é amada
porém, mesmo assim, está tão linda.

I I
Todo mundo lá é tão risonho.
Há no ar odor de álcool e fumo.
Eu, por outro lado, só e tristonho,
com a minha dor sigo outro rumo.

I I I
Vago pela noite enluarada
sentindo no peito mil agonias.
Some já do céu a madrugada...
somem lá do céu estrelas vadias.

I V
Vejo delas o intenso lume
e é maior a treva de minh'alma.
Sinto de mil flores o perfume.
Preciso de amor e desta calma.

V
Se minha vida é toda dilema
eu escrevo, então, novo poema.
E há nele sempre um só senão:
êle é nada mais que um sonho vão!

"NATO" AZEVEDO
(Rio, RJ, 06/03/1975)

sábado, 18 de abril de 2009

DE VOLTA PRÁ MINHA TERRA

DE VOLTA PRÁ MINHA TERRA

I

Avisem aos amigos que eu estou voltando...
cansado, frustrado, sem estar realizado,
a mochila nas costas, bem acabrunhado,
não volto de carro mas, sim, caminhando.
E volto a minha vila pequena
de bares e feiras, festas e novenas...
avisem à cidade que eu estou regressando!

I I
Mil lições a Vida foi me ensinando...
com frio e com fome, sem lar e sem nome,
aprendi sofrendo a ser um bom homem
e sei que venci, estou lhes afirmando
pois, apesar dos pesares, eu não desisti
e posso cantar tudo o que vivi...
avisem à minha mãe que eu estou voltando.

I I I
Avisem a Deus que eu estou voltando!
Êle, que está tão longe da Terra,
das desgraças do Mundo, doenças e guerras,
precisa saber que estou voltando.
Voltando pra casa, pra junto dos meus,
dos pais e parentes, dos amigos e Deus...
só agora eu sei porque estou voltando!

"NATO" AZEVEDO
(versão livre de "Going to my hometown")

sexta-feira, 3 de abril de 2009

INGÁ DA INGAZEIRA

INGÁ DA INGAZEIRA
(melodia/refrão
de me. LUA NEGRA)

I
Minha mãe, quando menino,
quiz pra Vida me educar.
Nada aprendi e o Destino
me ensinou a apanhar.

REFRÃO
Oh, ingá da ingazeira...
(côro:) Ingazeira, oh, ingá !

I I
Essa vida é passageira
e devemos ajudar
-- mesmo de qualquer maneira --
a quem possa precisar.

I I I
Lembro os tempos de namoro
debaixo da ingazeira:
beijos cheios de decôro...
a Vida passou, ligeira !

I V
Brincava de sorveteiro,
de "dotô" de ambulância.
Troco 1 ano, de hoje, inteiro,
por um dia da infância.

"NATO" AZEVEDO
(OBS.: adaptação de "chula" de capoeira,
do mestre LUA NEGRA, exceto o refrão.)

sábado, 7 de março de 2009

CARRO DE LUXO

CARRO DE LUXO
(de 27/set./1991)

I
Eu comprei ontem um carro
azul estrela-brilhante,
macio e aconchegante...
um belo carro de luxo
(um big carro de luxo!)

II
Por mil salários de um homem
um belo carro comprei.
De gente que passa fome,
suor de mais de cem homens...
um supersport "freeway".
(Um supersport "freeway"!)

III
Fui prá melhor avenida,
a mais veloz e moderna.
Estava na hora do "rush"
e nem mesmo o George Bush (1)
dava um fim na baderna.

IV
Oh, Deus do céu e da Terra,
vê minha situação.
Estou parado, emperrado,
paralisado, "engessado"...
meu carro é uma prisão.

V
200 cavalos de força,
confôrto e satisfação.
Total ar-condicionado,
todo digitalizado,
luxuosa e cara prisão.
"NATO" AZEVEDO

(1) Trata-se do antigo presidente,
o pai do traste atual.E onde se lê
digitalizado era... computarizado,
anteriormente.

HOMENAGEM À CAYMMI

HOMENAGEM À CAYMMI

I
Madrugada ainda,
o sol a raiar,
ía o menino
à praia nadar.
Tão pequenino,
fôra brincar.
Matou-o, um dia,
o verde mar.
(o verde mar...)

I I
Ficou Maria
triste a chorar
pois seu filhinho
morreu no mar.
Mas o corpinho
não quiz boiar...
pousou na areia,
no fundo do mar.
(no fundo do mar...)

I I I
Tod'as sereias
de Yemanjá
junto ao menino
ficaram a cantar:
-- "É doce morrer no mar,
nas ondas verdes do mar.
É doce morrer no mar...
no seio de Yemanjá"!

"NATO" AZEVEDO
(OBS.: os versos finais da
3ª estrofe reproduzem trecho
de música de Dorival Caymmi.)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

RAZÃO DO MEU VIVER

RAZÃO DO MEU VIVER

I
Sonho contigo
à luz do luar,
os dias são longos
para esperar
o sábado à noite
para dançar...
poder te ver,
poder te beijar.

I I
Que imagem linda,
você a dançar...
balança os quadris,
os braços no ar.
E gira feliz
e torna a girar...
ah, eu sempre quiz
alguém tanto amar.

I I I
O baile está no fim
com você junto a mim
e a Vida é um sonho
que quero viver.
Me dê mais um abraço,
me leve pro espaço...
o Mundo é tão risonho
quando estou com você!

I V (refrão/BIS)
É um prazer
estar com você...
dançar com você
é um prazer!

"NATO" AZEVEDO
(versão livre de "You're the reason",
da banda BLUE RIDGE RANGERS, 1973,
de Edwards, Henley e Imes-Fall)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

TRISTE CAMINHO

TRISTE CAMINHO

I
Um dia ela partiu...
levou sonhos e planos,
o amor de tantos anos
e as promessas que fez.
Maços de velhas cartas,
fotos cheias de marcas,
a tudo ela descarta...
quanta insensatez !

I I
Eu, que sempre te amei,
jamais entenderei
onde foi que eu errei
e me ponho a chorar.
E, entre copos de vinho,
sigo a vida sozinho
te vendo em meu caminho,
prometendo voltar.

I I I
Quando o tempo passar
e a canção te tocar
você irá recordar
o que fomos nós dois.
Vais lembrar, então,
em meio à solidão
nossa bela paixão
tantos anos depois.

"NATO" AZEVEDO
(versão livre de "Pass this way",
de B. W. STEVENSON, 1972?)