quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CASA POBRE EM VILA RICA


CASA POBRE EM VILA RICA

Neste belo dia 2 de dezembro se comemorou o DIA NACIONAL DO SAMBA e isso me fez lembrar de minhas "raízes" enquanto compositor, meu inicio na seara da Música. Criado no interior do Paraná (e de SC) apenas com a legítima música caipira, de violas e acordeons, saltei de uma hora para outra para o mais puro ou cru dos movimentos negros, o "samba de terreiro" -- adiante, com o título de "samba de quadra", embora a festa se desse ainda em solo de terra batida -- no velho Morro dos Cabritos, acima do Túnel Velho, em Copacabana, Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa naqueles anos 70 de Copa do Mundo e Ditadura Militar, festa e repressão andando lado a lado.

Morávamos num barraco bem ao lado da quadra do Bloco Carnavalesco Unidos da Vila Rica, na época O ÚNICO BLOCO -- me corrijam se eu estiver errado! - existente na Zona Sul, ou pelo menos em parte dela. Por volta de 1980 ou 81, pouco antes de eu sair definitivamente do Rio, o Vila Rica subiria para outro Grupo, do qual desceu no ano seguinte.

Aprendi a gostar de samba colado à parede do quarto-sala do barraco, a menos de 2 metros da bateria do Bloco, num local onde tinha imensa pedra negra, granito que presenciou festas e também muita patifaria, já que a malandragem se reunia toda madrugada "bem debaixo de nossa casa", que ficava trepada numa pedreira.

Infelizmente, nunca me senti parte do Morro e nem daquela vida de sacrifícios e privações, não me relacionava com praticamente ninguém -- embora nascido lá e tendo vivido naquele martírio por quase 15 anos -- e, como era tímido, nunca frequentei a quadra de samba, exceto uma noite qualquer, na escolha da melhor sambista do Bloco. Mas não perdia um segundo dos ensaios, "grudado na parede" do barraco e vendo tudo pelos buracos dos pregos outrora existentes. (OBS.: inicialmente, naquele local havia apenas um barracão que servia para as sessões de "macumba" de um jovem chamado de "Pai JORGINHO". Mais tarde, o sujeito foi alojado na encosta do morro e a área virou campo de futebol a semana inteira e quadra de samba aos sábados/domingos.)

O VILA RICA e seus magníficos compositores influenciaram minhas primeiras produções na área da Música e, adiante, me tornei fã de sambistas renomados -- Martinho da Vila, Paulinho da Viola e Clementina de Jesus, entre tantos outros e outras, Elza Soares principalmente -- sem esquecer os nomes e as composições dos principais sambistas (do Bloco) dos primeiros dias dos coloridos e roqueiros anos 70.

Entre os compositores mais importantes estavam Luis "Chimbirra" (não sei se era sobrenome ou apelido), o velho e respeitado "Jorge Ben e até o "tampinha" "Segunda-Feira" -- "sombra" do malandro mais temido da área, o 'Marocas" --que subia no palanquinho de metro e meio de largura para entoar exatos 6 versos:

"Numa alta madrugada
eu encontrei o meu amor...
o sereno estava caindo (pois é, pois é!)
e o sereno não me molhou.

E lá vinha o refrão simples e belo, repetido diversas vezes e levantando a multidão:

"É mais uma madrugada
que eu passei com meu amor!"

De "Jorge Ben", voz ímpar, sem igual na região, algo próximo do famoso Aniceto do Império, só me lembro do "Subindo a Ladeira", cujos primeiros versos estampei em meu texto sobre as agruras de se viver num Morro, o 'UM DIA EM LILLIPUT", postado no megasite cultural OVERMUNDO, que pode ser consultado pelo link:

www.overmundo.com.br/banco/um-dia-em-lilliput

Jamais mostrei meus "sambinhas" para quem quer que fosse e admirava o pai da Sandra -- minha bela vizinha, amiga de infância -- conhecido por "Pauzinho" que, com uma lata d'água sobre a perna, passava horas cantando seus sambas, acompanhado do amigo e vizinho, seu "Bené", batendo copo ou 2 colheres.

Infelizmente, recentemente a esperança me abandonou e cansado de sonhar em ver meus trabalhos sendo cantados (ou até gravados), toquei fogo em tudo. Viraram cinzas mais de 600 poemas (entre trovas, sonetos, cordel e poesia livre) e pelo menos umas CEM MÚSICAS, entre elas uns 30 sambas, boa parte em homenagem ao bloco Vila Rica, inclusive um samba-enredo sobre os vikings e a pedra da Gávea, cujo título era "A Cabeça do Imperador"!.

Sobrou na memória senil o que está abaixo, trechos de "sambas de terreiro", CURTINHOS como devem ser, já que ficam "na fila" para cantar até a alta madrugada uns 15 ou 20 compositores, nas grandes Escolas de Samba até mais do que isso. Aí vão:

Vamos cantar
para tod'as regiões
as mais lindas canções
que o povo quer ouvir
e nosso samba
que é todo harmonia,
alegria e fantasia,
vai o povo seduzir.

(refrão/BIS)
Vamos cantar,
ó moçada brasileira.
Vamos sambar,
juventude altaneira,
que o VILA RICA
vai tocar a noite inteira...
que o VILA RICA
vai sambar a noite inteira.
"NATO" AZEVEDO

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(refrão/BIS)
Vem lua, eh, vai lua, ah...
nêgo no batuque
não para de batucar.

I
Nossa bateria
está botando "prá quebrar".
É samba, show e alegria,
o VILA não pode parar.
"NATO" AZEVEDO

(CONTINUA...
esqueci o resto da música)
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Surdo, cuíca e pandeiro
pela noite a batucar...
é o "samba de terreiro",
a chuva caindo devagar.
É o VILA RICA quem diz:
"nosso samba não pode parar"!
E eu me sinto feliz
em dele participar.

(refrão/BIS)
Samba, show e alegria
o VILA RICA tem...
mas ritmo e harmonia
é importante também !
"NATO" AZEVEDO

No texto citado acima, UM DIA EM LILLIPUT, comento como era dificil a subida do Morro, numa viela escura e cheia de mato e lixo, entre dois prédios próximos da entrada do Túnel Velho. Fechado esse "atalho', passaram-se vários anos até que uma alma bondosa cedesse a escadaria que dava acesso à seu casarão, "na boca do Túnel", facilitando (?!) a vida dos favelados, que escalavam uma perigosa escada de madeira, com uns 70 graus de inclinação, num permamente riso de acidentes, principalmente de milheres com enormes trouxas de roupa na cabeça. Torno a repetí-lo, porque no site/portal anterior o artigo saiu truncado por falta de espaço, essa questão de toques que nunca entendi direito.
"NATO" AZEVEDO (dezembro/2009)
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O MORRO NÃO TEM VEZ... (ADENDO)

Até o início dos anos 80 a subida do "morro da Euclides da Rocha" (era como o chamavam, devido a uma rua que o cortava de uma ponta a outra) se fazia por uma encosta íngreme, quase 70 graus de inclinação, vereda escura e cheia de mato e pedras. Ficava espremida entre 2 prédios, como mostra a minifoto p/b à direita. (Por volta de 1980 a "entrada" foi extinta, aumentando em quase 2 km a subida via Ladeira dos Tabajaras. Adiante, "kombis" amenizariam o trajeto.)
Os mais velhos aguardavam sentados por uma mão amiga que os "guindassem" para cima, principalmente em dias chuvosos, quando a pedreira negra ficava bastante lisa. Poucos fazem idéia do que é subir uma escadaria (ou ladeira) dos Morros após dez horas de labuta como doméstica, contínuo ou servente. É um "calvário" que envelhece as pessoas em pouco tempo e colabora para que o favelado esteja sempre anêmico, sentindo permanente fraqueza.

Felizmente (?!) só se sobe o morro uma vez por dia. Aos domingos eu subia até 3 vezes, a última por volta da meia-noite, na época em que o nosso Morro ainda não oferecia perigo.
O favelado tem um compromisso inconsciente com a pobreza. Se melhora de vida, amplia e reforma o barraco por dentro, põe geladeira e TV em casa, mas não modifica o aspecto externo da moradia. Se fica rico tem que sair da favela, ali só se aceitam iguais e êle, graças à sorte, passou a ser "burguês". (Os "bicheiros" são um caso à parte !)
A televisão é o suplício do favelado, embora poucos tenham noção disso. Pobre não quer sapato novo, roupa de griffe (isso é coisa de "boyzinho zona sul") e nem mesmo carros ou motos, que caracterizam a VIDA DE RICO que êle está impedido subconscientemente de adotar.

O favelado, se a maré virar, quer pão & circo, muita farra/comida/mulher... e torrar a "grana" o mais depressa possível, para voltar a ser igual, ficar ao nível dos demais. Vai daí, enquanto desnutrido subempregado, assistir pela TV propaganda de cheeseburguers/chesters/yogurtes/perús sadios, etc, é uma tortura sem igual. Desempregado inúmeras vezes -- e isso é o TERROR de todo favelado -- eu quase chorava ao assistir pela TV cenas de saladas e doces, enquanto mastigava pão com banana à guisa de almôço ou devorava 1 "bisnaga" inteira só com margarina e açúcar, se a situação piorava. Além de água com açúcar o dia todo, para enganar a fome.
Pensou que luz e moradia são de graça nos Morros e favelas? Enganou-se,caro leitor! Há sempre alguém, que chegou primeiro, a se fazer de donodo espaço, como também da energia elétrica. E ái de quem usar ferroelétrico ou mais de 2 lâmpadas por barraco. Era assim nos anos 70/80,suponho que pouco mudou !
Favelado, seja do morro ou da baixada, é um herói, que o Brasil deveria admirar, apesar da bandidagem canalha que se instalou nesses locais. E essa "melhora oportunista" (leia-se PAC e assemelhados) feita somente em 2 ou 3 Morros é politicagem safada e não um progresso necessário e por todos desejado e merecido.

"NATO" AZEVEDO (dezembro/2009)
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COMENTÁRIOS SOBRE AS FOTOS:
Fotos coloridas 1 e 2 (esquerda): aspecto do interior do barraco, com a biblioteca dividindo o "quarto/sala-cozinha", por muito tempo com chão de terra batida. Nas prateleiras só revistas de eletrônica e... decoração, acredite quem quiser. Também a famosa coleção MMEQ de contos policiais e várias obras do E. Rice Borroughs, autor de TARZAN, além de TEX Ranger e Monteiro Lobato. Não havia ratos por lá, nas favelas não sobra comida.

Foto P/B (acima/direita): a "entrada" do Morro, extinta por volta de 1979/80. Surgiriam em seguida as "kombis-lotação" para amenizar o trajeto de subida. No centro da foto, lá no fundo ficava o prédio que ruiu, à esquerda, mais o resto do jardim, que uma pista subterrânea para o Túnel Velho "engoliu".

Foto P/B (embaixo/dir.): o antigo "terreiro" do bloco Unidos da Vila Rica, depois "campo de futebol". Havia ali um centro de macumba do Pai Jorginho, famoso babalorixá local, que sumiu sem deixar rastro. Nossa casa ficava ao lado, à direita, na parte alta. Quando a bola descia ribanceira abaixo, ninguém queria ir buscá-la, 150 m de "buraco". Note-se a copa das árvores, batendo no chão do campo. Uma imensa pedra (que o barracão de bebidas "engoliu") servia de mesa para jogos de baralho e de "arquibancada", além de ponto de reunião da malandragem da época durante as madrugadas. Tempos bons...

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